Tributação de criptomoedas – atualização 2022

Depois de muita expetativa (e estudo pela Autoridade Tributária), eis que a proposta de Lei do Orçamento do Estado (OE) para 2023 vem, finalmente, desvendar o que podemos esperar para a tributação dos criptoativos em Portugal.

Relembre-se que, até aqui, o vazio legal existente ia sendo colmatado pelas tentativas da Autoridade Tributária (AT), nas escassas Informações Vinculativas publicadas sobre a matéria, de enquadrar os rendimentos gerados por estes ativos à luz da lei existente.

A proposta de lei do OE vem sugerir uma definição de criptoativos bastante abrangente – “toda a representação digital de valor ou direitos que possa ser transferida ou armazenada eletronicamente recorrendo à tecnologia de registo distribuído ou outra semelhante”, que incluirá, assim, o imenso mundo dos NFTs (non-fungible tokens).

Em sede de IRS, propõe-se a tributação dos rendimentos resultantes da emissão (incluindo a mineração) e validação de transações de criptoativos, bem como das mais-valias resultantes da alienação onerosa dos mesmos.

Neste contexto, enquanto os rendimentos da emissão e validação de transações são considerados decorrentes de uma atividade empresarial e profissional e, portanto, tributados na categoria B, às taxas progressivas de IRS (no caso do regime simplificado, presume-se que o rendimento é 15% da contraprestação recebida); as mais-valias podem ser enquadradas quer na categoria B e tributadas às taxas progressivas de IRS, se imputáveis a uma atividade geradora de rendimentos empresariais e profissionais, quer na categoria G e tributadas à taxa de 28%, (sem prejuízo da opção pelo englobamento).

Sem prejuízo do exposto, prevê-se uma isenção de tributação destas mais-valias quando resultem de criptoativos detidos por um período igual ou superior a 365 dias (incluindo-se, para este efeito, o tempo decorrido antes da entrada em vigor do Orçamento do Estado). Segundo o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, esta opção, que deriva do estudo efetuado pela AT, seguiu o exemplo da Alemanha, opondo-se a países como Luxemburgo e Bélgica, em que o prazo é mais reduzido ou não existe, respetivamente.

Em sede de IRC, imposto que, nas sociedades que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide, regra geral, sobre a globalidade do lucro independentemente da respetiva fonte, e que, portanto, por definição, já incidia sobre os rendimentos resultantes de criptoativos, não houve necessidade de alterações. Já para as sociedades que não exercem a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, e que aplicam o regime simplificado, sendo tributadas pela soma algébrica dos rendimentos previstos nas diversas categorias consideradas do Código do IRS, houve a necessidade de esclarecer que, à semelhança daquele Código, o valor a somar para apuramento do lucro tributável é de 15% da contraprestação obtida nas prestações de serviços com criptoativos.

A proposta de lei prevê ainda que as operações com criptoativos passem a estar sujeitas às obrigações de comunicação à AT (até ao final do mês de janeiro de cada ano) pelas entidades que prestem serviços de custódia e administração de criptoativos por conta de terceiros ou tenham a gestão de uma ou mais plataformas de negociação de criptoativos.

Em sede do Imposto do Selo, prevê-se a tributação dos clientes de serviços de criptoativos, sempre que o prestador ou o cliente desses serviços esteja domiciliado em território nacional, a uma taxa de 4% calculada sobre as comissões ou contraprestações cobradas. Apesar do encargo ser do cliente, a entrega do Imposto do Selo ao Estado é da responsabilidade do prestador do serviço (se domiciliado em território nacional) ou do intermediário ou representante nomeado (nos restantes casos).

Prevê-se também a sujeição a Imposto do Selo das transmissões gratuitas de criptoativos depositados em instituições com sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, herdados de pessoas com domicílio em território nacional, ou, em qualquer caso, quando o beneficiário tenha domicílio em território nacional.

Para este efeito, propõe-se que o valor tributável dos criptoativos seja determinado (por esta ordem) pelas regras do Código do Imposto do Selo; pelo valor da sua cotação oficial, quando exista; ou pelo valor declarado pelo cabeça-de-casal ou pelo beneficiário, devendo, tanto quanto possível, aproximar-se do valor de mercado.

Finalmente, para efeitos de IMT, esclarece-se que o valor do ato ou do contrato inclui o eventual valor de eventuais criptoativos recebidos em troca do bem, sendo esse valor determinado nos termos do Código do Imposto do Selo.

Em suma, saúda-se a clarificação de um tema que há muito suscitava dúvidas e, provavelmente, injustiças entre os diversos agentes de criptoativos em Portugal, e em especial a preocupação de isentar as mais-valias de criptoativos detidos por pelo menos 1 ano e que deixa Portugal numa posição concorrencial com outras jurisdições europeias nesta matéria (ao contrário do que acontece ainda na maioria das restantes matérias fiscais).

Sem prejuízo, antecipam-se ainda muitas incertezas na aplicação prática desta legislação, nomeadamente no que toca à determinação dos valores tributáveis/de mercado destes ativos, à documentação exigida de suporte aos mesmos, à identificação/localização de prestadores de serviços e, especialmente, intermediários. Esta incerteza pode só deixar à AT duas opções – ir além do que o legislador disse ou abster-se, como até aqui, de examinar estas matérias.